sábado, 6 dezembro, 2025

Pana-Manaus, a capital dos imigrantes


Os primeiros imigrantes a chegar a Manaus foram os portugueses e os espanhóis. Mas, eram invasores, colonizadores.

Posteriormente, chegaram sírios, libaneses e judeus. Gostaria de ressaltar, contudo, os imigrantes mais recentes, que dão diversidade cultural a Manaus de hoje.

A Pan-Amazônia é um território composto por Brasil (cerca de 60%), Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname, Venezuela.

Há um fluxo regular de migrações internacionais estabelecido com Manaus, antes mesmo das fronteiras coloniais, com Peru, Colômbia e Bolívia.

Como o rio Amazonas é a grande via de ligação da região, a integração é facilitada com esses países por onde o grande rio atravessa.

Houve momentos em que a situação política nesses países aumentou o fluxo migratório.

Como quando organizações paramilitares colombianas dissidentes das Farcs pressionaram pela adesão compulsória de comunidades ribeirinhas e indígenas, na primeira década deste século.

Essas, responderam empreendendo uma migração silenciosa e disfarçada para Manaus, a grande capital, que os acolheria ocultos sob outras designações nacionais, como bolivianos e peruanos.

Os primeiros recentes

Os haitianos foram os primeiros migrantes internacionais de fora da Amazônia a incluir Manaus em rota de migração recente.

Os haitianos empreendem uma diáspora desde a década de 80 do século anterior em direção aos Estados Unidos, França, Canadá e países caribenhos. Hoje, entre 4 e 5 milhões estão espalhados pelo mundo, a maioria nesses locais. É cerca de metade da população do país.

Porém, dois fatos históricos os fizeram chegar ao Brasil.

O primeiro deles foi o endurecimento das regras de migração para os Estados Unidos após a crise financeira de 2007 e 2008, que reorientou esse e outros fluxos migratórios para países do sul global.

Os haitianos em diáspora passaram a buscar caminhos indiretos para chegar até os Estados Unidos e demais destinos preferenciais para eles.

Em 2010, um terremoto de escala 7,2 acometeu a região da capital haitiana, Porto Príncipe, deixando mais de 200 mil mortos.

O terremoto e as consequências socioambientais, como uma epidemia de cólera que se seguiu, ajudaram a impulsionar a saída de haitianos do seu país.

É preciso mencionar ainda que a presença do Brasil figurando como força de paz da ONU (2004 a 2017) operou como uma campanha do país no Haiti.

Dados de 2024 do Alto Comissariado nas Nações Unidas para Refugiados (Acnur) estimam 161 mil haitianos vivendo no Brasil.

A partir de 2012, as principais portas de entrada passaram a ser Assis e Brasileia, no Acre, já que de lá é possível seguir por estrada para outros estados onde há mais oportunidades de emprego, como Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catariana, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

Contudo, Manaus segue recebendo um fluxo regular. Atualmente, estima-se que a capital tem cerca de mil haitianos (dados da Polícia Federal e do CadÚnico de 2024).

Venezuelanos

A circulação de pessoas era regular entre o Brasil e a Venezuela, cuja fronteira terrestre se localiza entre Roraima, do lado brasileiro, e Bolívar, do lado venezuelano. Mas um crescimento atípico foi notado a partir de 2015, dois anos após a morte de Hugo Chávez.

Enquanto foi presidente (1999 a 2013), Chávez baseou sua política no fortalecimento da indústria petroleira nacional e na promoção de políticas sociais de redistribuição de renda.

Aprovou por plebiscito uma nova constituição e fez importantes reformas no sistema judiciário.

No entanto, não alterou a estrutura de poder interna do país. Tal cenário deu início a sucessivas ações de sabotagem externa e interna, que culminaram em tentativas de golpes, na fuga sistemática de capitais, no desabastecimento e em paralisações patronais, inclusive da indústria petroleira.

Tais fatores configuraram um profundo e complexo estado de crise, que se intensificou com a morte de Chávez e sua conturbada sucessão por Nicolás Maduro, em 2013.

Os venezuelanos – assim como os demais latino-americanos, incluindo os brasileiros – mantinham um fluxo estável de migração para países do norte global, via aérea.

Todavia, a partir de 2015, passaram a atravessar a fronteira terrestre com o Brasil, em Roraima.

Foram notados em Manaus no final de 2016, quando estabeleceu-se um acampamento de migrantes nos entornos da rodoviária, na zona norte.

Mana Manaus

Manaus é a maior capital do norte do país. Nossa melhor estrada terrestre nos leva para o norte, para a Venezuela e para a Guiana.

Cabe lembrar que, em tempos melhores de valorização da moeda brasileira e da sociedade venezuelana, era mais vantajoso aos manauaras seguir rumo ao caribe venezuelano do que para o Nordeste ou Sudeste brasileiro cuja saída aérea sempre foi mais cara.

Em tempos chavistas, a ilha de Margarita era atrativa aos manauaras como ponto turístico e de compras de importados para revenda, já que é uma zona franca.

Interessantemente, as grandes cidades da Venezuela oriental e a capital Caracas eram pontos atrativos para o público em busca de cirurgias plásticas mais baratas.

Com o declínio da economia venezuelana e de instabilidade social naquele país, os comerciantes se dirigiram para a Guiana.

Lethem, a cidade que faz fronteira com Bonfim, a cerca de uma hora e meia de Boa Vista (RR), é um dos destinos preferidos de quem vai às compras para a revenda.

De costas para a latino-américa

De modo geral, o Brasil, e os brasileiros, não se autoreferem como latino-americanos.

Há fartos relatos de brasileiros que se descobrem latinos no processo migratório para países do norte global, como Estados Unidos, Canadá e da Europa.

E veem-se classificados na mesma categoria que colombianos, peruanos, haitianos e venezuelanos.

O fato de nosso idioma ser o português produz uma frágil distinção de nossos vizinhos. E limita nosso acesso à cultura de língua espanhola que circula livremente entre os vizinhos.

Assim, artistas populares, como Bad Bunny, Karol G, Maluma, circulam menos do que poderiam no Brasil.

Nosso país ficou alheio a sucessos latino-americanos como a novela “Sin tetas no hay paraíso”, (Sem tetas, não há paraíso).

Lançada em 2006, a novela retratou histórias de mulheres de comunidades dos morros colombianos que sonhavam em colocar silicone para ascender socialmente sendo mulheres de grandes traficantes.

Percepções distintas

Além da presença de haitianos e venezuelanos em Manaus, destacam-se ainda coreanos, chineses e japoneses. Estes vindos em razão da migração laboral das fábricas do distrito industrial e do comércio da Zona Franca de Manaus.

É comum que migrantes como haitianos e venezuelanos, que chegaram em razão de situações generalizadas de crise social, sejam vistos pela sociedade de recepção apenas como demandantes de ajuda governamental.

Mais que isso, em países de ampla desigualdade social como o Brasil, há a percepção de que eles vêm disputar tal ajuda com a população local socialmente vulnerabilizada.

Por isso, migrantes como os orientais são vistos como aqueles que vêm enriquecer a cultura local e desenvolver a economia. Enquanto migrantes como haitianos e venezuelanos viriam onerar os serviços públicos já insuficientes para atender os nacionais que deles necessitam.

Pana-Manaus

É de se perguntar, afinal, qual a contribuição dos haitianos e venezuelanos (foto) para a sociedade manauara?

Hoje é possível escutar a língua espanhola em todos os cantos da cidade. Há música, comida e festas espalhadas pelas esquinas. Há farinha de milho branca utilizada para fazer as arepas sul-americanas nos comércios locais.

Há casamentos entre brasileiros e venezuelanos acontecendo.

Diga-se de passagem, a cultura latino-americana é ainda mais acessível aos bolsos do que as orientais, que também possuem festivais, culinária, karaokês, pela cidade e doramas coreanos nas plataformas de streaming.

Porém, para além dessa contribuição aparente, acredito que a maior e melhor contribuição dos migrantes haitianos e venezuelanos é a oportunidade que nos dão de nos percebermos e nos alimentarmos, literalmente, de um (bom) senso latino-americano.

E também da superação da língua como limitador de integração regional, nos tornando, pelo menos, familiarizados com o idioma espanhol. Já que somos desafiados a nos preparar para os recepcionar nos serviços públicos, como educação e saúde.

Pana é um termo venezuelano para designar amigo (a), como é para os manauaras o mana (o).

Manaus tem a oportunidade de ser uma pana-Manaus, hermana que propicia a continuidade de vidas vindas de lugares mais parecidos do que diferente do nosso.

*A autora é doutora em antropologia.

Foto: reprodução/ONU Imigração

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Fonte: bncamazonas

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