sábado, 6 dezembro, 2025

Os tribunais de Justiça e a regularização fundiária na Amazônia


A corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou, em abril de 2023, o provimento 144/2023, estabelecendo, no âmbito do poder judiciário, o Programa Permanente de Regularização Fundiária na Amazônia Legal e instituindo a Semana Nacional de Regularização Fundiária.

O documento põe as corregedorias estaduais e os registradores de imóveis (cartórios) numa condição ativa no processo de regularização fundiária nos nove estados da Amazônia.

O provimento 144/2023 é um documento histórico no âmbito do judiciário e orienta as corregedorias dos tribunais de Justiça para uma ação articulada com as instituições públicas, a fim de garantir justiça social e ambiental no processo de regularização fundiária na região.

Deixa claro que essa articulação deve envolver os movimentos sociais, a sociedade civil organizada e entidades públicas e privadas para formulação de propostas de gestão fundiária, que garanta inclusão social e defesa do meio ambiente.

O provimento enfatiza ainda o respeito aos povos originários e a necessidade de uma governança fundiária que garanta acesso à terra, proteção ambiental e justiça social.

Pois bem. Vamos ver agora onde está o gargalo na execução do provimento 144/2023.

As corregedorias de Justiça dos tribunais de Justiça da Amazônia resolveram dar um cangapé no provimento e não estão empenhadas na solução dos problemas fundiários da região.

Em 2024, foram 55 mil títulos de propriedade emitidos na Amazônia por órgãos federal e estadual de terras, em articulação com as corregedorias de Justiça. O Amazonas ficou em primeiro lugar, com mais de 18 mil títulos.

O problema é que esses 55 mil documentos de propriedade são, quase na sua totalidade, de áreas urbanas (reurb), onde não existe conflito fundiário, insegurança jurídica, tampouco políticas públicas para os beneficiados.

É pura enrolação.

Titular áreas urbanas em cidades do interior dos estados amazônicos e nada é a mesma coisa. Sequer ajuda o meio ambiente. Não existe ameaças às essas famílias.

O problema fundiário está na zona rural. É lá que tem grilagem, desmatamento, assassinatos por conflito de terras, expulsão de agricultores, ribeirinhos, extrativistas das suas terras tradicionais. É lá que indígenas e quilombolas são perseguidos e suas terras vivem sob ameaça de invasão e são invadidas.

Os governos estaduais não entram em áreas de conflitos fundiários porque não há interesse em defender a propriedade dos pequenos agricultores e as comunidades tradicionais. As corregedorias de Justiça não combatem grilagem de terra porque não querem sair da sua zona de conforto e se dedicam a enviar para o CNJ números de regularização fundiária que, na verdade, não correspondem ao mérito do provimento 144/2023.

O atual presidente do TJ-AM quando era corregedor foi ao sul do Amazonas e constatou tudo que é crime, inclusive a ação de cartórios na grilagem de terras. Interveio em alguns deles.

Mais nada foi feito e o crime continua imperando no sul do estado.

Sobre articulação com movimentos sociais e sociedade civil organizada, esquece. A corregedoria não participa de nenhum evento sobre o tema e se resume a organizar a semana do solo seguro, uma vez por ano.

Foi criado um comitê composto por um desembargador e vários juízes para tocar o programa, mas falta boa vontade e compromisso.

Nem mesmo os processos de usucapião foram tirados da gaveta, nos casos em que não há solução extrajudicial.

Ainda há tempo para melhorar a atuação dos tribunais de justiça na defesa da terra, do meio ambiente e da nossa gente. É só colocar em prática o provimento 144/2023.

*O autor é sociólogo.

Foto/Arte: CNJ



Fonte: bncamazonas

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