sábado, 6 dezembro, 2025

“O mapa do caminho”


A bola da vez nas cabeças e nas bocas de ambientalistas, de negacionistas e de articuladores políticos dos movimentos sociais, cada um a seu modo, é o “mapa do caminho”.

A expressão foi lançada no discurso do presidente da República do Brasil na abertura da Cúpula do Clima, evento que acolheu chefes de Estado e de governo e antecedeu o início da COP-30, com a pretensão de contornar alguns paradoxos no caldeirão de divergências entre participantes e, também, para amenizar a determinação do Brasil em fazer novas prospecções de petróleo.

Como uma luva, caiu nas mãos e no gosto dos que têm o dever de encontrar uma solução para as “emergências climáticas” e reduzir o nível da temperatura dos oceanos.

Virou chiclete para tudo!

Tudo tem o seu “mapa do caminho” e só isso pode nos levar ao futuro e até salvar, quem sabe, a humanidade.

É uma locução bonita, poética até, e dentro do pensamento wittgensteiniano de que o “mundo é um discurso e, ao mesmo tempo, um jogo”, isso importa.

Partindo daí, pensei como sair do clichê para um outro tipo de reflexão, sem desprezar a importância que a expressão definidora da COP-30 pode ganhar em resultado se carrear esforços para determinar um cronograma de abandono à exploração de fontes de energia fósseis e adotar fontes renováveis.

A ideia pareceu-me, também, aplicável às coisas da humanidade, causas perdidas, veredas de vida que se fecharam e até ao descaminho que se deu às ideias de igualdade, fraternidade e liberdade.

De repente vi-me numa “sinuca de bico”: a COP-30 está terminando e precisamos de muitos outros mapas do caminho que deem conta do que está acontecendo fora daquela imensa tenda, estendida em Belém sobre o que outrora foi uma pista de pouso transformada em centro de convenções, onde o mundo inteiro e suas mídias ali pousaram, cheios de esperanças para defender interesses em um mundo melhor, em cidades melhores de se viver e lutar contra o negacionismo climático.

Lembrei-me do romance de Ítalo Calvino, “As cidades invisíveis” (SP: Companhia das Leras, 1990), obra-prima da literatura.

Comparo, grosso modo, as “COP da ONU” à fictícia cidade de Eufêmia do romance, para onde todos convergem: “cidade em que se troca de memória em todos os solstícios e equinócios”.

Nessa obra, Calvino retoma como personagens o viajante veneziano Marco Polo e o Imperador mongol Kblai Khan. Os dois dialogam sobre as coisas do mundo e Marco Polo descreve as cidades imaginadas de um império que nunca foram visitadas pelo soberano.

Não é só uma descrição apenas, tem sentido, jogo, sentimento e reflexão em cada uma das descrições.

E eis que, também como uma luva, circula na mídia a declaração vergonhosa do primeiro-ministro da Alemanha sobre Belém, dando conta a seus pares de parlamento do alívio sentido por ele e por todos que consultou ao deixarem “aquele lugar” tão indesejável e, portanto, os alemães poderiam regozijar-se por viverem num país bonito.

A sua xenofobia retoma um mapa do caminho tenebroso que o povo alemão superou, mas seus aliados querem reaver – uma nova “Noite dos Cristais”, reafirmando o supremacismo de extrema direita, agora, contra os imigrantes, a quem igualam a ladrões e estupradores, em pregações políticas perigosas.

Em andanças pelo nosso Brasil, os mapas dos caminhos nos levam a algumas cidades do  sul, que devolvem aqueles que, por suas condições socioeconômicas, não se adéquam ao padrão cultural, moral e fenotípico dos povos que habitam a cidade; interditados, portanto, nos mapas do caminho da prosperidade. 

Outro mapa nos leva aos caminhos da “matança” em emboscadas dos desaventurados da vida, encurralados nas periferias e mortos pelo Estado, sem julgamento.

Um mapa do caminho ainda borrado nos leva às veredas do crime organizado e suas tessituras, ligando Brasília, estados da federação, o sistema financeiro e os que lutam desesperadamente por cortes de gastos com os mais pobres.

Isso nos leva a crer que o chanceler alemão não está sozinho.

No mapa do seu caminho, a transição é reversa: nos tira de um mundo onde todos têm direito à vida digna, a ir e vir, à transparência nos negócios da República e nos leva aos descaminhos da barbárie fossilizada na cabeça das elites e de governantes autoritários, corruptos e perversos!

*O autor é jornalista profissional.

Foto: ONU



Fonte: bncamazonas

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